River Flows in You

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Longe

Longe do mar
Longe de ti e de tudo o resto
Longe que é o novo perto
Para esperar na beira-estrada
O que vem, o que há-de chegar
Quando eu me esquecer de procurar.

Vem comigo e ficarei longe de tudo
Aquilo que me cansa e me mata a cada segundo
Aquilo que não mais aguento
Que não mais vejo, ouço e sinto.
Longe do mar, da minha aldeia e serra, o mar

Vem procurar-me onde sabes que não estou
E fugirei para onde o meu mundo ficou
Naquela praia soalheira, longe dela
Onde perdi a vontade de escrever
Onde aprendi o que era crescer
Por força das ondas que enrolam fortemente

Vem aqui dizer-me adeus aos meus ouvidos
Que não ouvem nada mais que os meus passos
Na areia longe do mar onde acordo com a chuva
De um dia de sol, a fazer estragos na mordaça
Que o meu coração prende forte no meu peito

Vem para longe deste mar onde me afogo
Desta água clara onde a luz das estrelas não entra
E o sol na sua cinza se faz corda
Que me arrasta para o fundo, não do mar

Vem cantar-me com a sede da manhã
Do orvalho nas cigarras que o consomem
E onde o mar chega ao fundo do seu suspiro
E me deixa muda e sem ar na minha casa
Longe dele, nele
Longe de ti, penetrando o mais fundo de ti
Longe daqui, aqui presa na ilha

E os restos, os rastos, ao sol da meia-noite
Largam migalhas na sua ânsia por mais um dia
Onde o mundo é ele mesmo e eu sou nada
Onde o mar é ele mesmo e eu sou nada
Longe dele, na casa-fachada

E o resguardo, não da cama
Mas da vida
Esse lençol branco que me escuda da vontade
De ser gaivota com lágrimas de sal
De ser algo mais que nada
Este nada longe do mar.

E o perfume que cobre a tua espada
A tua esteira de vontade e sentimento
A tua fogueira de calma e sofrimento
O meu perfume, no meu sangue derramado
Sem significado, nos entalhes da madeira
Não se liberta para o ar, por o não haver
Por não o ser, esse mar incolor e aberto
Por não o ser, este ser incerto.

E longe deste mar, longe do céu
Longe da terra, e do berço que a ela deu
Toda a sua maravilha, a transbordar
De poros abertos, de falhas no chão
Onde quem cai para longe do mar
E não sabe como respirar,
Fica, longe do seu, do meu, e não do teu, mar.


Doi dizer que sim, porque "sim" é a palavra mais comum do mundo,
Doi dizer adeus, porque temos a noção de que quem não voltará somos nós.
Doi ficar aqui, porque este, apesar de tudo o resto, é o lugar que conhecemos.